
Alinhados às metas globais de desenvolvimento sustentável, os empreendedores provam diariamente que inovar, preservar o meio ambiente, valorizar a cultura e empoderar as comunidades são práticas rentáveis. Apesar da tendência, empresários e especialistas cobram políticas públicas de incentivo, formalização, treinamento e divulgação dos negócios.
Da nostalgia a um negócio lucrativo
A história do Alambique Remedin começou com a saudade que o pai do empresário João Chaves, o Cid, sentia da autêntica cachaça de roça e das montanhas de Minas Gerais. A busca por um pedaço de terra que remetesse ao aconchego da vida nos arredores de Belo Horizonte os levou à Fercal, no Distrito Federal, em 2012.
Depois de investir — sem sucesso — na criação de tilápia e de gado, a família planejava vender a propriedade. Como bons mineiros, a prosa fluiu com calma e regada a cachaça. Uma coisa levou à outra e, naquele dia, eles decidiram virar produtores da bebida patrimônio cultural do Brasil.
De 2018, quando João começou a produção, até hoje, o Alambique Remedin conquistou 10 premiações nacionais, uma delas, conferida pela Confederação Nacional de Agricultura (CNA), que deu o título à cachaça Remedin de melhor produção artesanal do Brasil.
“Nunca imaginamos que ganharia a proporção que ganhou”, afirma João Chaves Marques Faria, 24 anos, relembrando o início da marca. Além da qualidade reconhecida, outros valores são inegociáveis para o empresário. A propriedade tem 80% de sua área de cerrado preservada.
O canavial é cultivado em antigas áreas de pasto, minimizando o impacto ambiental, e ele tem uma parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que faz soltura de aves silvestres por lá.
A busca pelo “resíduo zero” e o desenvolvimento da comunidade local são outras prioridades da empresa. O álcool impróprio para consumo e o bagaço da cana são utilizados na produção, adubação e esterilização.
No âmbito social, o Alambique Remedin criou a Comitiva Remedin buscando parcerias e incentivos para a comunidade da Fercal, doando cestas básicas e priorizando a mão de obra local na hora de contratar. Aos empreendedores que sonham em trilhar o caminho da sustentabilidade e criatividade, João os aconselha a priorizarem esses conceitos desde o início do negócio.
Ele planeja expandir por meio de parceria com agricultores familiares que queiram produzir a cana para o alambique. E acaba de pedir o registro de produção de cachaça orgânica, para se tornar a primeira de Brasília com essa certificação.
Caminho das águas resgatado
Fabiana Castro e Jefferson Sooma, cocriadores da Amainar Soluções, deram início a uma nobre missão em 2009: recuperar a vegetação da Área de Proteção Ambiental (APA) da Cafuringa, na região da Fercal, que faz divisa com Padre Bernardo (GO) e Planaltina (GO).
Atualmente, são mais de 600 hectares protegidos por famílias e projetos ecorregenerativos em formato de ecovilas e de vilarejos ecológicos, contruibuindo para a renovação das nascentes. “Somos um negócio ecocultural de impacto socioambiental”, resume Jefferson. “O que fazemos hoje são processos de transição de fazendas de boi com impacto ambiental. Compramos essas fazendas coletivamente e transformamos em áreas de proteção ambiental com a presença humana”, explica.
A economia local gira em torno de propostas sustentáveis. A Amainar comercializa soluções para a construção das ecovilas, desde a aquisição de cotas para cofinanciar os projetos até a bioconstrução das casas e a capacitação da mão de obra. As moradias das ecovilas e a ecoescola que funciona na região foram erguidas com técnicas de bioconstrução mistas, que aliam as tecnologias mais avançadas ao conhecimento ancestral. Dessa forma, o impacto ambiental é reduzido, com tinta feita à base de terra e tijolo de adobe Piauí, feito sem queima.
A empresa conta com o apoio de duas aceleradoras com sede em Brasília: a Impact Hub e a Cotidiano, além do investimento de pessoas físicas. A renda da comunidade também se baseia na venda de produtos por meio da Cafuringa.store. Também foi criada uma incubadora de projetos de economia criativa, um espaço de coworking, um selo de produção de música e audiovisual, o Feito na Mata, e conteúdo para as redes sociais abordam a importância da preservação do meio ambiente. Em junho, será lançada a pré-produção de videoclipe sobre o projeto Divina Memória, apoiado pela Votorantim e com direção do argentino Pablo Dellamea.
Apesar das dificuldades comuns a todo negócio, como manter o capital e burocracia, Jefferson enxerga na conscientização cada vez maior da população uma oportunidade. “As mudanças climáticas e o aquecimento global estão permitindo que as pessoas tenham mais responsabilidade”, avalia. “Para nós, é uma missão de vida fazer com que nossa presença na Terra seja o instrumento de recuperação e de regeneração da natureza. Nós humanos somos um instrumento da natureza, e não o contrário.”
Vai de moto, mas respeita o clima!
Para a CEO do Capital Moto Week, Juliana Jacinto, a economia criativa pressupõe conexão e saída da zona de conforto. É comum que as pessoas se percam com o conceito e pensem se tratar de trabalho informal e de empreendimentos de menor porte. “Mas é algo muito grandioso, que movimenta vários setores”, atesta a empresária, à frente do evento que espera receber 800 mil pessoas ao longo de 10 dias.
O MotoWeek promove essa integração entre setores e ainda se alinha à sustentabilidade. “Temos uma sinergia com a sustentabilidade primeiro por ser um propósito da empresa, mas também porque a sustentabilidade está no DNA do nosso público: motociclista quer fazer parte da paisagem”, resume Juliana. O CMW atua em sete pilares dentro dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.
O CMW contrata, todos os anos, uma cooperativa para cuidar da destinação correta dos resíduos gerados durante os dias do festival, trabalho coordenado por um gestor de sustentabilidade. O resultado é a destinação correta de mais de 90% do lixo gerado, inclusive o vidro, alcançando, no ano ado, o certificado Lixo Zero, da Zero Waste International Alliance, e o ISO 20.121.
Além disso, 110% das emissões de CO2 foram compensadas com créditos de carbono certificados pela ONU. Uma das formas de fazer a compensação é plantando mudas e acompanhando o crescimento das árvores. Desde o início do festival, são 35 mil mudas plantadas. A sustentabilidade se liga à moda também: por meio da parceria com o brechó Peça Rara, o público é incentivado a reutilizar itens de vestuário e entrar na onda da moda circular.
Para completar a sinergia da economia criativa, este ano o festival traz mais de 100 shows de bandas de todo o Brasil, entre elas Os Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, Samuel Rosa, Angra, Lobão e Cidade Negra. A banda canadense Magic! é a atração internacional.
Para entregar tudo isso com qualidade, o maior desafio, na avaliação de Juliana, é a mão de obra qualificada. “Contratamos psicólogo e massoterapeuta, por exemplo, para cuidar dessas pessoas, para que possam entregar uma experiência boa ao cliente final.”
Essência brasiliense na vanguarda
Nascida e criada na Asa Sul, em Brasília, a empresária e designer Flávia Amadeu, 47 anos, transporta para as roupas e joias de sua marca uma beleza pontuada por conceitos de sustentabilidade e criatividade. Inspirada pelo minimalismo e pela arquitetura modernista de Brasília, Flávia buscou a inovação em uma borracha colorida desenvolvida na Universidade de Brasília (UnB), que depois foi levada para a Amazônia.
Lá, transformou essa matéria-prima em objetos tão valorizados quanto metais preciosos e roupas de grife. “O design é uma ferramenta que possibilita elevar materiais brutos da Amazônia a um patamar internacional, conferindo-lhes valor e impacto nas comunidades que os produzem”, afirma.
Trabalhar com materiais e técnicas sustentáveis no Brasil, embora com avanços, ainda apresenta desafios. Flávia observa que o país melhorou nesse aspecto, saindo de um “monólogo” para um diálogo mais amplo sobre a importância da sustentabilidade.
No entanto, ainda é preciso educar o consumidor e superar a resistência da indústria em adotar métodos de produção e materiais sustentáveis, que são mais caros devido à inovação, à pesquisa e ao investimento necessário. Flávia enxerga um potencial enorme no Brasil em termos de materiais sustentáveis e recursos criativos.
Ela reconhece o aumento de editais e a visibilidade que proporcionam, mas enfatiza a necessidade de que as empresas e os órgãos públicos valorizem os profissionais e viabilizem recursos para esse tipo de trabalho.
Para impulsionar a economia criativa sustentável no país, Flávia sugere políticas públicas que promovam capacitações, ampliem a educação em criatividade, técnica e mercado, promovam a valorização e deem destaque a esses projetos.