
Por Ivaldo Lemos Júnior* — A pergunta do título está no imaginário popular, consagrada por duas palavras terríveis — uma delas gramaticalmente incorreta — proferidas por algum policial, civil ou militar, ou mesmo por "qualquer do povo", nos termos do artigo 301 do P: "teje preso".
O tema também pertence ao mundo técnico dos profissionais. É comum, em audiência, perguntar-se quem deu voz de prisão ou quem foi o condutor do flagrante.
Essa investigação é potencialmente útil para a defesa, que está sempre à espreita, alimentando a ratoeira da nulidade. Mas a acusação também precisa definir com clareza a dinâmica dos fatos, depurando o conteúdo do depoimento do agente que acumula as funções de policial e testemunha, conjugando os verbos na primeira pessoa do plural — "nós vimos", "nós entramos na casa" —, quando, na verdade, o verbo ver, nesse contexto, só poderia ser conjugado na primeira pessoa do singular.
O momento é agudo: um ser humano está sendo privado de um bem elementar — a liberdade física —, talvez pela primeira, talvez pela única vez em sua vida. Mesmo para os mais experimentados, isso jamais deixa de ser um constrangimento, o que só se ite com o máximo respeito à legalidade.
Ou então a prisão decorre de ordem judicial, e os caminhos são diferentes, mas o desfecho não é menos dramático: o cumprimento do mandado se dá logo pela manhã, quando o sujeito ainda está adormecido; seus familiares entrarão em polvorosa; os vizinhos verão e comentarão o vexame; a casa será revirada com pouca cerimônia e pouquíssima delicadeza.
Tanto o flagrante quanto o mandado se submetem à audiência de custódia. Esta última terá o escopo duplo de verificar se as ferramentas foram, até então, bem utilizadas (juízo retrospectivo), bem como avaliar se a manutenção da prisão é necessária (juízo prognóstico). Mas isso é outro assunto. Vamos nos concentrar no flagrante.
Ao ser colocado em um camburão ou "detido" em um corredor de delegacia, o sujeito ainda não está juridicamente preso. Já está em curso um ataque à liberdade de locomoção, isso é óbvio — não há como ele se desalgemar e ir embora sponte sua. Seu corpo está, por inteiro, à disposição do Estado.
Acontece que a prisão em flagrante não é um ato, e sim um procedimento. Não é algo simples, direto, instantâneo, e sim complexo, que apenas teve início na rua e deve ser consolidado na delegacia (ou melhor, na audiência de custódia), com a formalização da medida cautelar. Nem sempre isso acontece.
O delegado pode entender que não houve crime e liberar a pessoa — o que costuma gerar conflitos entre as duas Polícias. A Militar tem dificuldade de absorver essa hipótese, mas a Civil não é obrigada a concordar com a compreensão do material que lhe foi apresentado. Isso também não significa, necessariamente, que a PM tenha agido de modo abusivo, pois, além de haver um jogo de interpretação da realidade, sua função institucional não consiste apenas em prender criminosos, mas sobretudo em garantir a ordem pública. E talvez uma maneira de fazê-lo seja subtraindo brevemente a liberdade de alguém, como em casos de baderna coletiva, quebra-quebra, entre outros.
Portanto, além do gramaticalmente incorreto "teje", há o juridicamente inconsistente "preso".
É fácil afirmar que qualquer pessoa pode dar voz de prisão ao sujeito que está correndo na rua, aos gritos de "pega ladrão". Às vezes o ladrão é alcançado e amarrado a um poste (ou ele mesmo facilita tudo ao ficar entalado em uma grade ou em uma churrasqueira). Mas a Polícia será acionada para tomar as providências cabíveis a partir daí. Os populares colaboram com as autoridades, nesse contexto, mas na base de um lance de aprendiz de feiticeiro — ou seja, uma detenção de fato, no aguardo das medidas ulteriores.
Agressões de populares ao suposto ladrão também são ilícitas, mas acabam se perdendo e escapam à responsabilização. O sistema tem lá suas vistas grossas.
Tão patético quanto o ladrão que fica entalado — ou o assaltante que, com arma em punho, vocifera ordens enquanto as vítimas caem na risada — é o popular que anuncia um "teje preso" inviável de ser concretizado.
Procurador de justiça do MPDFT*
Saiba Mais