
Brasília está prestes a saldar uma dívida histórica com um de seus mais proeminentes artistas: Athos Bulcão. Depois de décadas de espera, o legado do mestre da azulejaria, que transcende as obras que adornam os edifícios da capital federal, está na expectativa de ganhar um lar definitivo com a concessão de uso de um terreno público para a construção da sede da Fundação Athos Bulcão. Esse o é a celebração da importância do artista para a identidade dos brasilienses.
As obras de Athos estão espalhadas pela cidade, mas o diferencial é que sua arte não está confinada a quatro paredes, é um museu a céu aberto. Como ressalta Marcia Zarur, presidente da Fundação Athos Bulcão, o trabalho de Athos faz parte de sua identidade enquanto brasiliense. Nascida na década de 1970, Marcia diz que é impossível imaginar o Teatro Nacional sem seus relevos ou a Igrejinha Nossa Senhora de Fátima sem seus icônicos azulejos.
"Uma coisa encantadora na obra do Athos é que ele consegue misturar a sua arte à paisagem. Então, você não precisa necessariamente entrar ou ir até um museu para ver a obra de Athos. Ela é a céu aberto para todo mundo, e isso faz a diferença na arquitetura", avalia Marcia.
Valéria Cabral, secretária executiva da Fundação Athos Bulcão e figura central na preservação do legado do artista, descreve a arte de Athos como "muito elegante, muito lúdica, muito estimulante", capaz de encantar até mesmo as crianças, que a veem como simples, mas que é, na verdade, rica em nuances e primor.
Ela destaca que a obra de Athos é tão relevante, que virou matéria obrigatória no ensino fundamental do Distrito Federal e é estudada em instituições de ensino superior de outros países, como a Universidade de Valência, na Espanha.
O poeta Nicolas Behr, entusiasta do artista, define a contribuição de Athos de forma poética. "Ele 'humanizou a maquete' de Brasília. Athos tornou Brasília uma cidade mais orgânica. Brasília era fria, planejada, funcional. Acho que ele colocou sensibilidade e sensualidade nisso tudo", diz Behr.
Luta de décadas
A Fundação Athos Bulcão, criada em dezembro de 1992, opera em um espaço alugado na 510 Sul, e a busca por uma sede própria foi uma batalha contínua, liderada por Valéria Cabral por muitos anos, e, desde 2023, pela presidente Marcia Zarur.
Em 2009, um processo nesse sentido foi travado devido a questões burocráticas: o governo não poderia doar um terreno público para uma fundação privada. O avanço veio com o secretário de Cultura Claudio Abrantes, que "abraçou essa causa como dele", segundo Marcia.
A solução encontrada foi uma modificação legal: em vez de doação, uma concessão de direito de uso por 35 anos, renovável enquanto a fundação existir. Essa é a base do projeto de lei encaminhado pelo governador Ibaneis Rocha à Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).
Segundo o secretário, trata-se da correção de uma injustiça histórica. "Desde 2009, a Fundação Athos Bulcão espera por um terreno para sua sede. É uma grande alegria poder corrigir essa injustiça histórica com um dos mais importantes artistas do país", ressalta.
A expectativa, reforçada pelo apoio de deputados como Pepa (PP) e Chico Vigilante (PT), é de que a proposta seja votada e sancionada até 2 de julho, quando se comemora o aniversário de Athos Bulcão.
Legado
A cessão do terreno é vista como um o gigante para a valorização de Athos Bulcão. O imóvel de 1.225 metros quadrados está localizado no Setor de Divulgação Cultural (SDC), entre o Clube do Choro e a Torre de TV.
Com a nova sede, a fundação poderá ampliar suas ações. Há um projeto de João Filgueiras Lima, o Lelé, para a sede definitiva.
"É uma alegria indescritível, pois, de todos os mestres que contribuíram para Brasília, Athos é o único que não tinha uma casa para chamar de sua", ressalta Marcia.
Memória
Nascido no Rio de Janeiro em 2 de julho de 1918, Athos Bulcão escolheu Brasília como casa e deixou sua arte por toda a cidade, ajudando a construir a identidade visual da capital. Morreu em 31 de julho de 2008, aos 90 anos, e foi sepultado na Ala dos Pioneiros do cemitério Campo da Esperança, desejo dele, que pediu para descansar na cidade que tanto amou.
Ele foi um artista plástico e mestre na arte da azulejaria, reconhecido como um dos mais importantes do país. Athos deixou centenas de obras espalhadas por Brasília, principalmente em palácios e prédios públicos, a ponto de o próprio Congresso Nacional ser considerado uma exposição dele. Entre 1963 e 1965, foi professor da Universidade de Brasília (UnB). Pediu demissão durante a ditadura juntamente com 200 outros professores em protesto contra a repressão. Voltou a lecionar na instituição em 1988.
Suas obras notáveis incluem os azulejos da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, os blocos do Teatro Nacional (intitulados "O Sol Faz a Festa"), e o de azulejos do Brasília Palace.